Ir. Clara Capeletti:

uma história de amor pascal

 

Inês tinha apenas 16 anos quando deixou sua família e a chácara em Pedras Brancas, no Brasil, determinada a se consagrar a Deus na nossa Congregação. Seus pais, Fidelis e Regina, eram de origem italiana e cuidavam com amor do patrimônio de fé recebido de seus antepassados. Ficaram surpresos e gratos ao Senhor que Inês, a sétima dos nove filhos, pedisse para ser Irmã.  

 

Inês nasceu no dia 25 de outubro de 1938. Ninguém deles sabia que, quando no Brasil nascia a pequena Inês, na Itália, a Congregação das Irmãs de Jesus Bom Pastor era recém-nascida e havia 18 dias que encontrara seu ninho onde começar a crescer: em Genzano de Roma. Estas são coordenadas de Deus que só podem ser vistas à distância no tempo.

 

Com poucos dias, a pequena foi batizada e lhe foi dado o nome de Inês, nome da jovem mártir romana do III século, que por amor a Cristo se ofereceu como inocente cordeiro, às mãos de seus carrascos e impurpurou, com seu sangue, o Estádio de Domiciano em Roma, a atual Praça Navona.

Inês Capeletti acreditou serenamente no amor de sua grande família. Desde pequena ela dizia que queria ser “freira”, e um dia junto a seu irmão Fioravante, enquanto entregavam laticínios para o Seminário N. Sra. Aparecida, em São Marcos [1], um sacerdote do seminário, Pe. Alberto perguntou a Fioravante se queria ser padre. Mas foi a jovem Inês que prontamente tomou a palavra e disse: “Eu quero ser Irmã; qual congregação me sugere?. O Sacerdote ficou surpreso e lhe indicou a Congregação das Irmãs Pastorinhas, que haviam aberto uma casa na Terceira Légua, nos arredores de Caxias do Sul, havia pouco mais de um ano [2].

E assim, num belo dia, da estação em que no Brasil amadurecem frutos em abundância, Inês entrou na Congregação, acolhida por Madre Eugênia Miana e pela pequena comunidade de Pastorinhas e de jovens aspirantes. Era o dia 6 de Abril de 1954. A comunidade se preparava para celebrar a Páscoa do Senhor que naquele ano foi no dia 18 de Abril. Um momento particularmente significativo para Inês, porque a sua vida logo mais teria atravessado todo o percurso da Semana Santa.

 

Transcorridos dois anos na Terceira Légua, como aspirante, Inês foi admitida ao postulantado e fez a vestição no dia 6 de Janeiro de 1956. Em seguida foi enviada a Bento Gonçalves [3]. Ainda não tinha feito o noviciado e mesmo assim, Inês já se comportava como verdadeira Pastorinha: fervorosa na oração e na vida comunitária, generosa no serviço pastoral que desenvolvia na catequese, na visita aos enfermos e aos encarcerados. Dedicava-se também aos trabalhos na malharia que executava com gosto e criatividade.

No fim de Janeiro de 1959 retornou a Caxias do Sul, na casa da Avenida São Leopoldo [4] para iniciar o Noviciado no dia 1º de Fevereiro de 1959. No dia 2 de Fevereiro de 1960, festa da apresentação do Senhor ao Templo, Inês fez a sua primeira profissão religiosa, assumindo o nome de Maria Clara. E a partir daquele dia, para todos ela foi a “Irmã Clara”, uma entre as primeiras Pastorinhas brasileiras.

Agora irmã, voltou a Bento Gonçalvesno mesmo dia da Profissão

e novamente por dois anos, retomou a sua missão ao lado dos pequenos, dos doentes e dos presos.

Delicada em seus traços físicos, de tez clara, se aproximava dos outros com a leveza de um anjo e com a discreção de uma irmã, que se sentia sempre muito pequena para ser portadora de um amor tão grande, como o de Jesus Bom Pastor. Modos gentis, escondiam no entanto, um temperamento de fogo, um caráter impulsivo que dificultava dominar e que requeria um empenho cotidiano no viver o propósito principal da paciência, pontualmente renovado em cada retiro, até o fim. Mas como uma sua co-irmã, testemunhando se expressou: “Maria Clara lutou e venceu”.

Após uma breve passagem na Terceira Légua, foi destinada à comunidade formativa de Caxias do Sul, onde se colocou a serviço das Irmãs, para o bom andamento da comunidade e se dedicou também a alguns momentos de estudo, participando de um curso de catequese, promovido pela Diocese.

 

Nesse meio tempo, na congregação fervilhavam os preparativos para a fundação das Pastorinhas na Argentina. Clara foi escolhida para fazer parte do primeiro grupo de missionárias brasileiras, dirigido pela Madre Inácia Armani. Estabeleceram-se em Bárcena [5], Buenos Aires, para a animação de uma casa destinada a retiros e exercícios espirituais. Entusiasmo e pobreza caracterizavam aquela primeira presença em terras argentinas e a semeadura foi abundante também da parte da jovem Pastorinha.

O amor a Jesus Bom Pastor não conhece confins e Maria Clara se colocou por inteiro, doando-se com generosidade, mesmo nos trabalhos mais ocultos e distantes de reconhecimentos humanos. Ela tinha o seu “jardim secreto, escondido no coração”, onde podia oferecer ao amado de seu coração as flores e os frutos do seu simples mas tenaz amor. Em sua pequena caderneta anotava as suas lutas e as suas vitórias, mas também as derrotas e as humilhações, que o Senhor certamente olhava com a infinita ternura de Pastor bom.

Aos 27 anos, na própria Argentina, Ir. Clara emitiu sua profissão perpétua, nas mãos de Madre Inácia, exatamente no dia 2 de Fevereiro de 1965. E foi Pastorinha para sempre.

Após três anos de vida missionária na Argentina, Ir. Clara voltou ao Brasil, na comunidade de Caxias do Sul, onde se dedicou ao estudo e ficou responsável da costuraria e da portaria: lugares freqüentados por muitas pessoas, irmãs e visitantes que nela encontravam acolhida e generosa disponibilidade de ajuda. Com freqüência, as Irmãs lhe pediam trabalhos de costura ou de serem substituídas nos trabalhos da casa e Clara estava sempre pronta a dizer: “Deixa este trabalho pra mim”.

Levava o hábito religioso com muito cuidado, dignidade e tinha o costume de rezar o rosário, desfiando entre os dedos as contas do terço que levava ao lado, com quase uma ponta de orgulho. Sempre ordenada, amava a pobreza e trabalhava com assiduidade e silenciosamente, porque o tempo era para ela tesouro precioso. Era franca e sincera com todos e talvez, por amor à verdade, corria o risco de criar algum problema.

 

Em fevereiro de 1970, foi enviada à comunidade de Fagundes Varela [6], onde desenvolveu com a precisão e simplicidade de sempre sua missão. Mas, no ano seguinte, por problemas de saúde, voltou a Caxias do Sul. Ela sempre foi magra, de constituição frágil e agora se manifestava o início de tuberculose. Logo foi prescrita a terapia e após longo tratamento, melhorou totalmente e ficou curada. Na realidade estava só iniciando a sua Semana santa, que daquele momento a unirá sempre mais aos sofrimentos de Cristo Pastor.

De Dezembro 1972 ao fim de Janeiro de 1973, Clara conheceu a noite escura da dor, um mal que a atormentava sem se revelar totalmente. Submeteu-se docilmente a pesquisas e exames de todo tipo, mas não davam respostas satisfatórias, em relação à doença que a minava. Foi para São Paulo, na comunidade de Jabaquara [7], onde permaneceu dois meses e pareceu se restabelecer um pouco. Mas talvez, continuando a nossa metáfora, era só a Quinta-feira santa. De fato, de volta a Caxias, após algum tempo, os sintomas do mal reapareceram e desta vez não a 

deixaram mais. O problema de saúde dela estava localizado na cabeça.

Com muita esperança, se submeteu a pesquisas e exames mais meticulosos, mas sua saúde ia piorando. Estava serena, confiante, aberta ao que o Senhor lhe dispunha. Os tratamentos e os exames clínicos eram um tanto dolorosos, uma verdadeira e própria Sexta-feira santa. Maria Clara porém, os viveu com aquela paciência que tinha pedido como graça e pela qual tinha lutado desde a primeira formação. Ora, Jesus Bom Pastor lhe havia feito o dom.

No dia 23 de Janeiro, entrou em estado de coma, situação em que parecia que as dores não a atormentassem mais. Foram feitas todas as tentativas possíveis, esperando contra toda esperança. Seu rosto já estava desfigurado como o do seu Esposo na Cruz, mas no segredo do seu coração, de maneira desconhecida a nós, se consumava a oferenda de sua vida: “Ninguém tem um amor maior que este: dar a vida por seus amigos” (Jo 15, 13). “O Bom Pastor dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10, 11).

 

O Bom Pastor Jesus veio buscá-la para levá-la ao Pai, no coração da noite, às 3:07 horas do dias 28 de Janeiro, enquanto se preparavam para resplandecer das luzes do sábado. Veio de noite, como um ladrão, um ladrão de amor que levava consigo às núpcias, a jovem Pastorinha de apenas 35 anos. Mas tudo estava terminado e era a aurora da Ressurreição.

O município de São Marcos, no distrito de Pedras Brancas, onde nasceu Inês Maria Clara Capeletti, quis dedicar uma rua em memória dela, e assim entre os verdes campos e as casas que a viram criança, o seu nome será sempre lembrado: “Rua Irmã Clara Capeletti”.

Ir. Giuseppina Alberghina sjbp

 

Notas

[1] São Marcos é o Município ao qual pertencia Pedras Brancas, no Estado do Rio grande do Sul, Brasil.

[2] A comunidade da Terceira Légua foi aberta no dia 23 de  agosto de 1952.

[3] A Comunidade de Bento Gonçalves foi aberta aos 5 de Dezembro de 1953.

[4] A Comunidade de Caxias do Sul, à Av. São Leopoldo foi aberta no dia 25 de Janeiro de 1956 e se tornou a casa principal das Pastorinhas, do Sul do Brasil e casa de formação, até 1983.

[5] A Comunidade de Bárcena, Buenos Aires, foi aberta aos 19 de Março de 1964 e fechada em 1978.

[6] A Comunidade de Fagundes Varela foi aberta aos 11 de Fevereiro de 1954 e fechada em Dezembro de 1983.

[7] A Comunidade do Jabaquara, em São Paulo, foi aberta no dia 25 de Janeiro de 1953. Na época era Casa de Formação e agora é a sede do Instituto Divina Pastora.